Quando Compliance é Usado Como Justificativa Para Demissão.
O desligamento de um jornalista da Globo gerou grande repercussão na mídia, com a emissora informando que a decisão foi tomada por “descumprimento de normas éticas”, configurando uma questão de compliance. Mas o que isso significa na prática?
Será que todas as condutas que envolvem conflitos de interesses resultam em demissão? Como um programa de compliance deve lidar com esse tipo de caso?
As normas de compliance de uma empresa estão disciplinadas em seu Código de Ética, políticas de conflitos de interesses, normas internas de conformidade, entre outras diretrizes. Entretanto, não é todo descumprimento dessas normas que resulta na demissão de um funcionário.
Em organizações que possuem um programa estruturado de compliance, existe uma gradação de penalidades proporcionais à gravidade da conduta. A demissão ocorre, geralmente, quando o comportamento do colaborador fere gravemente as diretrizes da empresa, impactando sua imagem e credibilidade.
Importante esclarecer que o trabalho da área de compliance não é aplicar sanções, aliás, a área de maior atuação de compliance é a prevenção, ou seja, evitar sanções. No entanto, em algumas empresas, a área de compliance também atua diretamente nesta vertente de investigação, onde sua função central é garantir a apuração íntegra dos fatos, respeitando o contraditório e a ampla defesa do investigado. Muitas vezes, aquilo que parece uma violação pode, na verdade, não configurar qualquer descumprimento normativo relevante.
Antes de tomar qualquer decisão disciplinar, é essencial verificar se o funcionário de fato descumpriu alguma regra e se a sanção aplicada é proporcional ao ato cometido. Um programa de compliance eficiente deve assegurar que as investigações sejam justas, baseadas em evidências e conduzidas com imparcialidade.
No referido caso que ganhou repercussão, algumas situações foram apontadas como potenciais conflitos de interesses que ocorre quando há um choque entre os interesses pessoais de um colaborador e os objetivos da empresa, o que pode comprometer a imparcialidade das suas decisões ou dar margem a favorecimentos indevidos.
Há suspeitas de que o ex-apresentador teria se envolvido em situações de compliance que passam por infrações das políticas de conflito de interesses. Sob esta ótica, importante esclarecer quais pontos ensejariam, de fato, condutas indevidas dos profissionais sujeitas às normas de compliance.
Um primeira situação é quando um funcionário presta serviços a outras empresas. Se essa atividade foi realizada sem comunicação prévia, pode configurar um conflito de interesses, especialmente se o jornalista usou informações obtidas na emissora para beneficiar clientes externos.
Em relação à funcão exercida pelo profissional, por exemplo, se ele cobre assuntos políticos de também presta serviços de comunicação para governos locais, há um risco de interferir, de algum modo, em sua cobertura jornalística.
Em empresas que possuem áreas de compliance algumas regras são estabelecidas, tais como: impedir que colaboradores tenham atividades externas que interfiram em sua imparcialidade profissional, proibição quanto ao uso de informações internas para benefício próprio, além de restrições sobre a atuação profissional fora da empresa.
Em relação ao caso da Globo, o ex apresentador supostamente oferecia serviços para preparar políticos e empresários para entrevistas e aparições na própria emissora e considera-se que, neste caso, é possível que se comprometa a imparcialidade do jornalismo, onde pode criar um ambiente onde determinados entrevistados estejam em vantagem, pois já foram treinados por um “profissional interno”.
Além disso, há o risco de um abuso de poder dentro da empresa, caso o jornalista tenha influenciado a seleção de entrevistados, direcionado pautas ou favorecido clientes em sua cobertura jornalística.
Importante esclarecer que a mera presença em eventos ou a manutenção de relações pessoais com políticos não configura uma infração, pois todos têm direito a vida social e à liberdade de associação. O ponto crítico de atenção é se o profissional usou seu cargo para promover ou beneficiar grupos específicos o que seria uma infração da norma de compliance.
Ainda que empresas privadas não se sujeitem diretamente a Lei 12.813/2013, que regula os conflitos de interesses na Administração Pública Federal e define conflito de interesses como a situação em que um interesse privado pode comprometer a imparcialidade e a legitimidade de uma decisão ou atuação profissional, essa lei traz princípios que podem ser utilizados como referência para organizações privadas ao estruturarem suas políticas de compliance e diretrizes sobre condutas esperadas de seus colaboradores.
A decisão da emissora de não comentar suas ações de compliance está alinhada às melhores práticas, pois a divulgação indevida de informações pode gerar implicações legais. No entanto, cabe reforçar que um programa de compliance robusto deve sempre garantir investigações justas e baseadas em evidências, respeitando os direitos dos envolvidos.
Nem tudo o que aparenta ser uma infração realmente é, e cabe aos profissionais da área assegurar que decisões sejam tomadas com base na verdade e na integridade dos fatos.