Emenda PIX: O caminho inequívoco da Corrupção
Por Célia Lima Negrão
As emendas parlamentares são instrumentos fundamentais ao processo legislativo brasileiro que permitem, aos deputados e senadores, o direcionamento de recursos do orçamento federal para projetos específicos em suas bases eleitorais, de forma a atender demandas locais, como obras de infraestrutura, saúde e educação, dentre outras. Estas emendas possibilitam que recursos públicos alcancem projetos essenciais que nem sempre são priorizados em orçamentos centralizados, permitindo maior flexibilidade no atendimento às necessidades locais.
No entanto, com a institucionalização de uma nova modalidade de emenda parlamentar, conhecida como “Emenda PIX”, criada para simplificar e agilizar a alocação de recursos federais, diretamente aos estados e municípios, abre-se uma grande brecha para a corrupção, tendo em vista que estes recursos são transferidos sem a necessidade de identificação prévia ou formalização de convênios.
Isto significa que, sem uma estrutura rigorosa de controle, a alocação destes recursos ocorre de maneira muito mais suscetível a desvios e má gestão, aumentando os riscos de corrupção, em especial em municípios que já enfrentam desafios fiscais e de governança.
Embora existam defensores de sua concepção e utilização, o fato é que a Emenda PIX transforma o que deveria ser um instrumento de desenvolvimento em uma potencial arma para a corrupção de valores vultuosos. A Confederação Nacional de Municípios (CNM) contabilizou a transferência de R$ 3,9 bilhões ao longo deste ano, faltando ainda R$ 2,9 bilhões, o que ilustra o alto volume de recursos que circulam sem o devido monitoramento.
A velocidade e o volume dessas transferências, somados à falta de formalização de convênios e controle adequado, tornam o processo altamente vulnerável e um ambiente fértil para práticas ilícitas. Afinal, o Brasil já enfrenta um histórico preocupante de práticas de corrupção em diversas áreas, mesmo sob a vigilância de rígidos mecanismos de fiscalização e controle.
Em um país como o Brasil, onde a falta de transparência, frequentemente, cria brechas para atos ilícitos, o cenário torna-se ainda mais nebuloso, com consequências graves para a economia e para a confiança pública e, a Emenda PIX, se mal gerida, pode intensificar estes problemas, com o comprometimento dos investimentos necessários para áreas prioritárias, como saúde, educação e infraestrutura.
Outro problema a ser considerado é a carência de efetividade ou mesmo a inexistência de estruturas de governança na área pública, o que não só facilita a má gestão, mas, também, favorece a aplicação dos recursos em áreas que atendem a interesses privados em detrimento do bem público. Em estados e municípios com menor capacidade administrativa, a aplicação destes recursos, sem a devida governança, pode resultar em desperdício e em decisões que priorizam interesses políticos em vez das reais necessidades da população.
Segundo a teoria do principal-agente, no âmbito da governança corporativa, o agente (governo) deve agir no melhor interesse do principal (cidadão), portanto, o povo é o principal interessado na aplicação efetiva de recursos públicos e o governo atua como o agente encarregado de aplicar corretamente estes recursos, prestar contas e realizar um trabalho com ética.
No contexto da Emenda PIX, esta relação agente-principal se torna crítica, pois a falta de controles adequados pode levar os agentes a desviarem recursos, traindo a confiança depositada pela sociedade, sendo fundamental o estabelecimento de critérios de prestação de contas transparentes, especialmente em tempos de crescente desconfiança pública nas instituições.
Desta forma, é essencial que o governo fortaleça seus instrumentos de controle e adote práticas de governança que garantam a utilização ética e eficiente dos recursos públicos. O uso de tecnologias para monitoramento e auditoria em tempo real, por exemplo, ferramentas como plataformas digitais de transparência, podem fornecer relatórios detalhados sobre a alocação e aplicação dos recursos, o que permite melhor acompanhamento da aplicação dos recursos destinados à Emenda PIX.
Na União Europeia, por exemplo, sistemas de pagamentos digitais e transferências de recursos públicos são acompanhados por regulamentações rigorosas, com auditorias frequentes e mecanismos avançados de rastreamento de despesas públicas, além da utilização de tecnologia de modo a garantir a integridade dos processos orçamentários e a eficiência na aplicação de recursos públicos.
É inacreditável que ainda existam no Brasil defensores deste modelo de Emendas PIX, sem controles adequados, porém, apesar dos defensores de plantão, em decisão acertada e unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu a necessidade de maior rigor e transparência, afirmando que as emendas devem passar por um controle mais rígido e que a destinação de recursos públicos não pode ocorrer sem mecanismos de fiscalização eficientes.
O fato é que com a decisão, o Brasil deverá adotar um enfoque mais cauteloso e estruturado para a aplicação das emendas especiais. Isto inclui a implementação de melhores práticas de transparência, a adoção de tecnologias que facilitem a fiscalização em tempo real, além do fortalecimento da cooperação entre os órgãos de controle. Um esforço conjunto entre governo, órgãos de fiscalização e sociedade civil é imprescindível para garantir que as emendas sejam aplicadas de forma ética e responsável.
A Emenda PIX, em sua forma atual, não só facilita a corrupção como representa um retrocesso no esforço de combate à má gestão pública e a adoção imediata de práticas de compliance é crucial para mitigar estes riscos e garantir que a Emenda PIX avance de uma ferramenta que promove a corrupção, para se tornar um instrumento ágil que favorece a aplicação de recursos públicos em prol do desenvolvimento do país.