LGPD

LGPD na Prática: Como Estruturar uma Gestão de Dados Pessoais Ética e Segura nas Organizações

Desde a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), o cenário regulatório no Brasil passou a exigir das organizações não apenas mudanças operacionais, mas uma transformação cultural em relação à forma como os dados pessoais são tratados. 

A lei, em sua essência, não pretende apenas proteger informações, ela inaugura um novo marco de responsabilização, transparência e respeito ao titular dos dados. 

Para além da adequação documental, a conformidade com a LGPD impõe uma gestão baseada em princípios éticos, governança de dados e prevenção de riscos, o que coloca o tema no centro das decisões estratégicas das empresas.

Essa nova realidade impacta organizações públicas e privadas, independentemente do porte ou do setor. Afinal, qualquer entidade que trate dados pessoais, seja de clientes, colaboradores, fornecedores ou usuários, precisa demonstrar que realiza esse tratamento com base legal, finalidade legítima e garantias de segurança. 

A LGPD, nesse sentido, é mais do que um desafio jurídico: é um campo de atuação interdisciplinar, onde jurídico, compliance, tecnologia da informação, RH, marketing e governança devem trabalhar de forma coordenada.

A importância estratégica dos dados pessoais

O dado pessoal é qualquer informação que permita identificar uma pessoa, direta ou indiretamente, tais como:  nome, CPF, e-mail, geolocalização, imagem, hábitos de consumo, preferências políticas ou características de saúde são apenas alguns exemplos de dados que, quando mal utilizados, podem causar danos profundos à privacidade, à dignidade e até à segurança dos indivíduos.

Em um mundo hiperconectado, onde a coleta e o uso de dados se tornaram práticas comuns e, muitas vezes, invisíveis aos olhos dos titulares,  a LGPD atua como uma barreira regulatória necessária para restabelecer o equilíbrio.

A proteção de dados não é apenas um direito fundamental reconhecido pela Constituição, mas, também, um elemento essencial de confiança, reputação e integridade nas relações entre empresas e pessoas, pois há muito em jogo.

 

O que significa tratar dados e quem responde por isso?

O tratamento de dados envolve toda e qualquer ação feita com as informações pessoais: desde a coleta, o armazenamento e a utilização, até o compartilhamento, arquivamento ou eliminação. 

Muitas vezes, esse ciclo passa despercebido nas rotinas da organização, justamente por estar inserido em atividades que parecem corriqueiras, como o cadastro de clientes, a realização de pesquisas, o envio de campanhas de marketing ou a gestão de benefícios de colaboradores.

No entanto, a LGPD exige que toda essa cadeia de tratamento seja mapeada, justificada e monitorada, com a definição dos chamados agentes de tratamento: o controlador (quem toma as decisões sobre o uso dos dados), o operador (quem executa as atividades) e o encarregado (também conhecido como DPO — Data Protection Officer —, responsável por assegurar a conformidade e o diálogo com a Autoridade Nacional de Proteção de Dados e os titulares).

Cada um desses papéis envolve deveres específicos e ignorar essa estrutura é correr o risco de responsabilização, além de comprometer a governança da informação e expor a organização a sanções administrativas, ações judiciais e danos reputacionais.

Da teoria à prática: o caminho para a conformidade

É necessário construir um programa efetivo de governança em proteção de dados para alcançar a conformidade com a LGPD que envolva desde o diagnóstico inicial até a consolidação de uma cultura organizacional sensível à privacidade.

O ponto de partida é o mapeamento dos fluxos de dados: onde estão os dados pessoais, quem tem acesso, para que finalidade são utilizados, com quem são compartilhados e por quanto tempo são armazenados. Essa etapa, muitas vezes negligenciada, é o que permite identificar os riscos reais e planejar ações corretivas.

A seguir, a empresa deve revisar ou criar políticas claras de privacidade, contratos com cláusulas específicas de proteção de dados, procedimentos internos para tratamento de requisições dos titulares (como pedidos de acesso, correção, eliminação) e canais adequados para comunicação transparente com os envolvidos. Também é fundamental garantir a segurança da informação — tanto no ambiente físico quanto digital —, utilizando mecanismos de controle de acesso, criptografia, backup, gestão de incidentes e atualização constante de sistemas.

Além disso, é imprescindível capacitar as pessoas. De nada adianta ter um PGRD (Programa de Governança de Riscos de Dados) se os colaboradores não compreendem o impacto de suas ações na proteção da privacidade. O erro humano ainda é uma das principais causas de vazamentos, e a prevenção começa pelo treinamento.

E o que fazer com os dados antigos?

Uma dúvida comum nas organizações diz respeito ao tratamento de bases de dados pré-existentes, coletadas antes da entrada em vigor da LGPD. Nesses casos, a recomendação é realizar uma análise crítica do banco de dados legado: é preciso verificar a base legal aplicável, eliminar registros desnecessários ou excessivos, anonimizar informações sensíveis e, se necessário, reconfirmar o consentimento dos titulares.

A gestão do ciclo de vida do dado é parte essencial da conformidade. A LGPD determina que os dados devem ser armazenados apenas pelo tempo necessário ao cumprimento de sua finalidade. Após esse período, devem ser eliminados com segurança, evitando o uso indevido ou o risco de vazamento. Isso exige processos claros de descartes seguros, políticas de retenção e registros de eliminação.

Prevenção de incidentes e resposta estratégica

Mesmo com todos os cuidados, incidentes de segurança podem acontecer. Por isso, a LGPD estabelece que, em caso de violação de dados, a organização deve agir de forma rápida, transparente e eficaz, informando os titulares e a ANPD, quando o incidente representar risco ou dano relevante.

É aqui que entram os protocolos de resposta a incidentes — com planos bem definidos, equipes treinadas, comunicação coordenada e capacidade técnica para investigar causas, mitigar impactos e evitar reincidência. Empresas que demonstram preparo e agilidade em situações de crise tendem a preservar a confiança do público e a reduzir o impacto legal e reputacional.

Casos reais: quando o descumprimento à LGPD vira sanção

Embora a LGPD ainda seja recente no Brasil, os primeiros casos de aplicação prática já revelam o impacto concreto da legislação sobre empresas que negligenciam a proteção de dados. Não se trata mais de uma ameaça distante, a fiscalização está ativa, e as penalidades têm sido reais, exemplares e cada vez mais rigorosas.

Um exemplo emblemático foi a primeira multa oficialmente aplicada pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), em 2023, a uma empresa de telemarketing sediada no Espírito Santo. A organização foi penalizada por não apresentar base legal válida para o tratamento de dados pessoais e por não cooperar com a fiscalização. As sanções incluíram duas multas que, somadas, ultrapassaram os R$ 14 mil, além de uma advertência adicional por não indicar um encarregado de proteção de dados, função obrigatória prevista pela lei. 

O caso, embora de menor valor financeiro, marcou um divisor de águas no cenário da regulação: a LGPD não é simbólica, ela é aplicável, monitorável e sancionável.

Outro caso relevante envolveu a construtora Cyrela, que indenizou um cliente em R$ 10 mil após o compartilhamento indevido de seus dados pessoais com parceiros comerciais, sem o devido consentimento. A decisão judicial baseou-se no princípio da autodeterminação informativa, reforçando que a ausência de autorização prévia para uso de dados constitui uma violação direta à LGPD.

Em um episódio ainda mais expressivo, uma rede social internacional foi condenada ao pagamento de R$ 20 milhões, em setembro de 2023, por falhas na proteção dos dados de seus usuários no Brasil. A decisão judicial reconheceu a gravidade do vazamento de dados e destacou a ausência de mecanismos eficazes para resposta e contenção do incidente, fatores agravantes na avaliação da responsabilidade civil.

Esses casos, ainda que distintos em natureza e porte, compartilham um ponto em comum: a falta de governança sobre os dados pessoais tratados. Seja por omissão, desorganização ou desconhecimento das obrigações legais, essas falhas resultaram não apenas em perdas financeiras, mas em danos significativos à imagem e à confiança junto ao público.

E vale lembrar: as sanções previstas pela LGPD são severas e incluem desde advertências e multas simples (que podem chegar a até 2% do faturamento da empresa, limitadas a R$ 50 milhões por infração) até medidas mais drásticas, como bloqueio de dados, suspensão de operações de tratamento e publicização da infração, o que pode causar impactos reputacionais incalculáveis.

Portanto, olhar para esses exemplos não é apenas um exercício de aprendizado, mas um alerta estratégico: a LGPD está sendo aplicada, e as empresas que ainda não estruturaram seus processos correm riscos legais, financeiros e éticos.

Conclusão

Mais do que um requisito legal, a LGPD representa um novo modelo de relacionamento entre empresas e indivíduos, baseado em confiança, ética e transparência. 

O cumprimento da legislação sinaliza ao mercado que a organização valoriza a privacidade, respeita os direitos dos seus públicos e atua de forma responsável no tratamento das informações.

Para as organizações que compreendem isso, a conformidade com a LGPD deixa de ser um fardo e passa a ser uma vantagem competitiva. Ela fortalece a governança, reduz riscos, qualifica processos e posiciona a empresa como referência em integridade e maturidade digital.

No fim, proteger dados é, acima de tudo, proteger pessoas e essa é uma escolha que diferencia as empresas que apenas existem daquelas que evoluem com propósito.

💼 Quer transformar compliance em vantagem competitiva?

Nossos programas, de workshops a mentorias, foram criados pra quem quer atuar com mais estratégia, clareza e autoridade nas áreas de riscos, ESG e integridade. Descubra qual o próximo passo ideal pra você.

👉 Clique aqui e inscreva-se agora

Avatar

Celia Lima

Há quase duas décadas, Célia Lima Negrão transforma desafios em soluções estratégicas nas áreas de compliance, governança e riscos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *